top of page

A lei europeia de resíduos têxteis que pode reposicionar a moda global — e o que o Brasil precisa fazer agora

  • Foto do escritor: Conrado Santos Conrads
    Conrado Santos Conrads
  • 25 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 2 de out.

resíduos têxteis

A aprovação, pela União Europeia, de uma lei europeia de resíduos têxteis que responsabiliza quem produz pelo destino dos têxteis pós-consumo não é apenas “mais uma” regulação setorial. É um divisor de águas. Ao colocar indústrias, marcas de luxo e marketplaces no mesmo guarda-chuva de responsabilidade, a Europa envia um recado inequívoco: o modelo de fast-fashion — que já descambou para o ultra-fast-fashion — tornou-se insustentável do ponto de vista ambiental, social e econômico. E quando a maior zona econômica do planeta eleva a régua, o efeito dominó atinge cadeias de suprimento no mundo inteiro, Brasil incluído.

Por que considero essa medida histórica? Porque ataca, com clareza, o ponto cego que alimentou o consumo descartável por décadas: a externalização dos custos do fim de vida dos produtos. Hoje, a UE gera cerca de 12 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano e recicla apenas 1%. Em paralelo, o apetite por novidade permanece alto: um europeu compra, em média, 19 kg de roupas ao ano (2019) e descarta cerca de 12 kg. Some a isso o impacto climático: só em 2022, têxteis emitiram 355 kg de CO2 por pessoa. Nesse contexto, criar um mecanismo econômico — apelidado de “imposto da economia circular” — para financiar coleta, triagem, reuso e reciclagem não é burocracia; é correção de rumo.

Vejo três movimentos estratégicos embutidos na lei. Primeiro, desloca-se o incentivo econômico para o design de longo prazo: durabilidade, reparabilidade, materiais recicláveis e logística reversa deixam de ser “boas práticas” e passam a ser condição de competitividade. Segundo, distribui-se a responsabilidade de maneira sistêmica: não importa se você é indústria básica, grife de luxo ou marketplace digital — todos participam da solução. Terceiro, amplia-se o escopo para além de roupas: calçados, cobertores, cortinas e colchões entram no radar, atacando um volume expressivo de resíduos que hoje termina em aterros ou incineração.

Há ainda um sinal regulatório mais amplo. A mesma diretiva mira outro absurdo cotidiano: o desperdício de alimentos. A meta, até 2030, é reduzir 30% do descarte em lares, mercados e restaurantes, e 10% na indústria, com base nos registros de 2021 a 2023. Estamos falando de quase 60 milhões de toneladas de comida que, anualmente, vão para o lixo na Europa. Quando políticas públicas alinham metas, mensuração e instrumentos econômicos, o sistema responde. Isso é governança funcionando a serviço do interesse público.

E o Brasil? Precisamos encarar os fatos. Segundo a ABREMA (jan/2025), descartamos cerca de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano. Como na UE, só 1% é reciclado (Fundação Ellen MacArthur). A Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) ainda engatinha no têxtil, sem escala, metas e fiscalização suficientes. Enquanto não avançamos em regulação clara, objetiva e exequível, sustentamos um paradoxo: celebramos inovação no varejo, mas seguimos dependentes de modelos que geram montanhas de resíduos e custos sociais ocultos.

Minha opinião é direta: regulação bem desenhada é uma alavanca indispensável para a transição. Não substitui o protagonismo empresarial e pessoal, mas o acelera. A experiência mostra que, sem preço para o descarte e sem obrigação de estruturar cadeias reversas, a circularidade fica confinada a pilotos de marketing. Por outro lado, quando o custo é internalizado, o mercado se reorganiza: surgem negócios de recommerce, centros de reparo, cooperativas fortalecidas, materiais rastreáveis e métricas de impacto incorporadas à governança corporativa.

Isso não exime consumidores e empresas brasileiras de responsabilidade imediata. Há perguntas incômodas que precisamos enfrentar: por que consumimos mais e mais? Para onde vão as roupas que “ninguém quer mais”? O que fazemos com as peças que poderiam ser reparadas, trocadas, alugadas? Doar é valioso — instituições como Gerando Falcões, Casas André Luiz e Casa Transitória Fabiano de Cristo cumprem um papel essencial —, mas não resolve a raiz do problema se continuarmos alimentando o ciclo de compra-descarta-compra.

Do lado corporativo, a agenda é inadiável. Marcas que esperarem a caneta do regulador perderão tempo e reputação. É hora de redesenhar produtos para circularidade, estabelecer rotas de logística reversa com cooperativas e operadores regionais, criar serviços de reparo e revenda, e reportar metas e resultados com transparência. Executivos precisam atrelar parte do bônus a KPIs de circularidade (coleta, reuso, reciclagem, CO2 evitado) e integrar compras sustentáveis que privilegiem materiais reciclados e rastreáveis. Sem isso, ESG fica no discurso.

Do lado de políticas públicas, defendo um caminho factível: metas graduais de REP por categoria têxtil, fundo setorial para financiar infraestrutura (coleta e triagem) com governança independente, incentivos fiscais temporários para recommerce e reparo, e penalidades proporcionais ao não cumprimento. Não é reinventar a roda; é adaptar aprendizados internacionais à realidade brasileira, com foco em impacto social — geração de renda digna em cooperativas — e ambiental — desvio efetivo de aterros.

Em síntese, a lei europeia não é um problema para a moda brasileira; é um espelho. Ela mostra que o futuro competitivo será circular, mensurável e responsável. Quem alinhar propósito e lucro a esse novo desenho não apenas reduz risco — conquista liderança.

Fonte base: Capital Reset — “Europa vai obrigar fast fashion a pagar pelo destino de suas roupas”. Link: https://capitalreset.uol.com.br/regulacao/e


Comentários

 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page